03/07/13

Tempos de crise, tempos de renascimento

"Os tempos que correm não são fascinantes", dizem por todo o lado os pessimistas.
É necessário, se me permitem, ver os dois lados da moeda. Mostrar que estamos perante uma autêntica guerra religiosa, a nível planetário, em que um dos campos disfarça, sob o manto da racionalidade económica, o seu carácter de fanatismo religioso.
Ou seja, há de facto um perigo terrível, a possibilidade de se repetir a emergência de ditaduras, de se regressar ao totalitarismo cruel como nos anos 30 do século XX. Há, sem dúvida, uma espécie de controlo muito sofisticado, mais sofisticado do que possamos imaginar, um "Matrix" cruel e poderoso. Porque já não assenta na vigilância, na repressão externa. Como defende justamente o filosofo italiano G. Agamben, o capitalismo transformou-se ( ou sempre foi) em religião, está nos nossos corpos, na forma como comemos, como trabalhamos e até na forma como nos relacionamos na família. Uma forma de viver que se esconde por detrás da euforia tecnológica, a beatitude da Web, a webitude, e principalmente pela dominação do discurso económico. Pela forma como as corporações e os bancos, sacerdotes mores desta seita, controlam o que comemos, vemos e desejamos.
As condições actuais, embora terríveis, não são tão dramáticas como nos anos 30 da depressão económica. Agora temos uma multitude de redes e movimentos, de mudanças que no século XX nos pareciam utópicas e irreais. Basta ver, como um exemplo entre muitos outros, as transformações na América Latina, o irromper da cidadania nos países árabes, o movimento dos indignados na Europa e no Brasil, a disseminação de uma consciência planetária que o acesso à internet permitiu ou, de algum modo, incentivou.
O mundo mudou muito em pouco tempo, desde os finais do século XX. Por isso, os esquemas de interpretação devem acompanhar esta transformação evitando os pessimismos desesperados. Ser capaz de entender a utopia que se concretiza à nossa volta. Que este mundo, dominado pela feitiçaria da mercantilização da vida, começa a deixar de ser viável. Está grávido de um outro mundo. Uma mudança com dores de parto como todos os nascimentos. Que é necessário, urgente, sob ameaça de desaparecermos com planeta, regressar a outra forma de nos Re-ligarmos.
Perante esta situação desastrosa para os mais pobres, e para o planeta em geral, não se deve ficar quieto. Uma crise não é apenas um momento mau. É também um momento para decidir, para mudar de vida, para se livrar desta feitiçaria chamada capitalismo.
Não ser como o anjo ingénuo, na célebre pintura de Paul Klee, que se deixa arrastar pela nova barbárie virado para o passado. Ser, sem hesitações, um profeta da nova sociedade que está a ser parida nestes últimos anos. Ser ecosófico."


José Pinheiro Neves 

Ver aqui a entrevista do filósofo italiano G. Agamben "Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro":

Nota: Karl Marx, G. Simmel, W. Benjamim, Max Weber e muitos outros previram de algum modo esta sofisticação actual do capitalismo. As suas palavras ganham por outro lado uma outra utilidade, nos tempos actuais: mostram-nos que esta seita ou seitas composta por bancos, corporações mundiais e governos hipnotizados que controlam, em grande medida, o mundo actual não estão apenas erradas ou equivocadas. Passaram a ser uma ameaça para a sobrevivência do planeta. Já não se trata apenas de uma questão ideológica ou de uma luta de classes. É uma questão de vida ou de morte, talvez ainda não para nós mas para as crianças que nascem actualmente. Combater esta multitude de seitas passa não apenas por palavras de ordem de tipo marxista ortodoxo, mas, acima de tudo, por mudar radicalmente de vida.